sexta-feira, 18 de julho de 2008

Contradição...




























Assim, no ténue som de dedos que acariciam as negras teclas, respiro meia garrafa de liberdade. É aqui que me sinto menos preso.
Contradição; Eu falo sobre prisões, solto palavras que buscam - na distância - a leveza, liberto frases acorrentadas ao meu peito. Outras vivem à pele, brotam – à socapa – no sôfrego destilar de um momento, tornam-se órfãs de razão, engrossam as fileiras do exército da emoção. Mas, ainda assim, estou preso. Acorrentado à esquelética maneira que este Homem escolheu para se reger, chamando-lhe, pomposamente, ‘viver’; Espremido na aldeia das convenções, onde todas as fachadas possuem um dedo que aponta, as portas apenas se abrem pelo lado de fora e, nas janelas, as cortinas cheiram a frio e o seu vidro não reflecte, é inerte. Acocorado neste nincho, persisto. Estou ciente de que só existo porque sim e que, antes e depois de mim, tantos, mas tantos outros se sentam, ou sentarão assim. Dizem-me que a persistência é combustível que atesta uma varinha de condão, de cada vez que me ouvem as costas das mãos a roçar pelo chão. Eu sei lá se acredito, mas é certo que já me haviam dito. Aborrece-me o barulho provocado pelo meu andar, as fugas previstas no meu olhar e a idiota lógica do meu trajar; Deixo os rastos das correntes, em forma de serpente, já que não rumo a direito e tenho medo de parar. O que pareço, aos cegos olhos da turba, é algo que não mereço; Mesmo algemado, nasci a esbracejar. Vivo numa grande penitenciária, com grades e portões dissimulados, mas muito presentes. Vivo? Não! Vivemos. Sem concessão de saída precária, apenas com direito a meia garrafa de liberdade, de cada vez que a felicidade tenta transbordar pelos dedos; Onde tento escapar, conseguir voar e ter a pouca vergonha de sair ileso. É assim – aqui – que me sinto menos preso.

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